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Crises hídrica e climática demandam pacto pelo território no DF

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20 de fevereiro de 2017

Crises hídrica e climática demandam pacto pelo território no DF

Há mais de 30 anos, ambientalistas paulistas falavam da importância de proteger o território e a Mata Atlântica nos seus principais mananciais (Cantareira, Guarapiranga e Billings) em face da expansão da cidade. Inúmeras iniciativas sociais e políticas se sucederam. Campanhas Pró-Tietê, Cantareira, Guarapiranga, Billings, Ribeira do Iguape, Paraíba do Sul mobilizadas pela sociedade civil, governos e pela grande mídia. Ainda assim essas áreas foram perdendo significativamente sua vegetação original. Nessas décadas, bilhões de reais foram investidos em grandes obras de tratamento de água e esgoto e na captação e transposição de águas. Mas a crise veio e se instalou por lá. É preciso aprender com o que aconteceu em São Paulo. Em Brasília, infelizmente, já vivemos o racionamento. Algo inesperado há três ou quatro anos.

Além do deficit histórico de investimento em infraestrutura de captação de água, que este governo vem buscando reverter, há os efeitos das mudanças climáticas, que nossa região vem sofrendo. É preciso reconhecer o ritmo desenfreado da expansão urbana (movido pela grilagem de terras públicas e construções irregulares) e estribado em índices muito altos de crescimento populacional, superiores a 2% ao ano, que acelerou o processo crítico de deficit hídrico. As nascentes, os rios, os lagos, o lençol freático e o nosso cerrado estão sendo cotidianamente comprometidos. Perdemos quase 60% da nossa vegetação no Distrito Federal, principalmente nas áreas periurbanas de Brasília.

Urge enfrentarmos — os três Poderes e a população — a grilagem de terras e a ocupação ilegal do solo, sobretudo nas áreas de interesse ambiental. O apoio político e social às ações públicas de enfrentamento da grilagem de terras e de ocupações irregulares do solo, como a ação que vem ocorrendo no Parque do Guará e na Orla, é fundamental.

O DF é relativamente bem servido de infraestrutura ambiental. Conta com inúmeros parques, estações ecológicas (a exemplo de Águas Emendadas), reservas biológicas, áreas de preservação permanente de matas ciliares e nascentes, áreas de relevante interesse ecológico e a proteção dos mananciais, relevantes para a filtragem e o retorno de água de chuva para o solo.

O Cadastro Ambiental Rural (CAR-DF) já atingiu 8 mil propriedades rurais e 60% do território rural, para mapear a proteção e recuperação de matas ciliares e nascentes e manejo adequado do solo. Estamos concluindo o edital do Programa Recupera Cerrado, que deve viabilizar investimento próximo de R$10 milhões em restauro florestal em áreas críticas e sensíveis, como a região do Descoberto, nos próximos dois anos.

Finalizamos, em novembro passado, o novo Mapa Hidrográfico oficial do Distrito Federal, indicando que Brasília possui uma malha hídrica rica, porém muito sensível e vulnerável. Todo esse equipamento ecológico, que a natureza nos oferece a custo zero, viabiliza a infiltração da água no solo, a conservação e a captação de toda água (superficial e subterrânea) oferecida ao povo do DF e atenua os efeitos das mudanças do clima. A gestão das águas não prescinde da boa gestão climática e do território.

Lançamos também o inventário de emissões de gases de efeito estufa e um relatório para subsidiar a produção de um plano de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Estamos agora conclamando a sociedade brasiliense a se unir a nós no Fórum Distrital de Clima.

O Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), instrumento de gestão do território, sob a nossa coordenação e o envolvimento de mais de 20 órgãos do governo distrital e federal, está em fase final de conclusão e será encaminhado à Câmara Legislativa até abril. Com ele, teremos a indicação e a definição de diretrizes para proteção e recuperação das áreas de recarga de aquífero (responsáveis pela infiltração da água para o lençol subterrâneo) e das áreas de proteção de mananciais, fundamentais para manter e aumentar a produção hídrica de qualidade a custos mais baixos.

Precisaremos do apoio da sociedade e da Câmara Legislativa, que a representa, para que esse importante instrumento de gestão ambiental entre em vigor. Carecemos de novo pacto político e social pela água, pelo clima e pelo cerrado no DF. As crises da água e do clima que vêm se apresentando não nos dão outra opção.

*André Lima é advogado, secretário do Meio Ambiente do Distrito Federal e mestre em gestão e política ambiental pelo Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília

Por André Lima*, para o Correio Braziliense